André Tavares
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Uma aproximação crítica e desordenada à razão e forma de ser da Ordem dos Arquitectos.Relatório crítico no âmbito do 2º debate Está tudo/tuto em discussão.
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O caminho da tragédia.
A actual orgânica interna pela qual se rege a Ordem até pode parecer simples: um conjunto de órgãos de âmbito e competência nacional articulam as duas secções regionais, que repetem a estrutura do primeiro numa plataforma mais própria das idiossincrasias e práticas locais, essencialmente divididas na dicotomia cultural Norte/Sul que caracteriza a cultura portuguesa. (Outras aglomerações de interesses locais dependem da sua própria dimensão para se começaram a conformar, dentro das estruturas regionais, como Núcleos mais ou menos independentes e, se oportuno, tomarem o corpo de Delegação, sempre dependentes da respectiva Região. No limite, aspiram à proclamação da sua independência como nova Região.) Como será fácil de prever, para além da difícil mas imprescindível solidariedade institucional entre órgãos – com relativa autonomia – existem órgãos homólogos que provocam sobreposição de competências e, simultaneamente, zonas cinzentas que parecem escapar a todos, terreno fértil para disputas equívocas, mal-entendidos e atrapalhações embaraçosas.
Se parece pacífica e consensual a necessidade do reforço institucional para a ampliação dos poderes e da capacidade de actuação de facto da Ordem e dos arquitectos, também poderá parecer compreensível a divisão da sua acção em duas frentes claramente distintas. Uma externa, de acção e presença política no contexto social representando a classe profissional e, uma outra, interna, para regular e administrar as relações dentro da classe. Ambas as linhas de acção exigem uma subdivisão entre o contributo institucional e a prestação de serviços. O actual estatuto promove a divisão entre a acção representativa (entendida a nível nacional) e a prestação de serviços (entendida a nível regional), tropeçando nos equívocos da impossível neutralidade política das direcções que gerem essa prestação e, da relação ambígua que se pode criar entre os vários órgãos.
Esta orgânica é perfeitamente compreensível se entendida no plano da história da profissão de arquitecto em Portugal, com as suas peculiaridades próprias e respectivas resultantes institucionais. Só que o crescimento exponencial da classe profissional e a complexidade crescente do exercício da profissão que a Ordem regula – que exigiram um reforço institucional consequente – conduziram o actual modelo ao ponto de ruptura. Nem é clara a repartição de poderes entre os diferentes órgãos, nem são claras as responsabilidades de cada um dos elementos que os integram, para além da já citada sobreposição e repetição de funções e serviços (muitas vezes prestados com critérios diferenciados). Estas indefinições geram tensões que transformam a vida quotidiana da instituição num exercício de paciência e controle nervoso, em vez de permitirem concentrar os esforços na construção de um rumo seguro para a sua acção.
Que modelo para a orgânica interna da Ordem dos Arquitectos?
Independentemente do modelo a adoptar numa revisão do Estatuto, há que confiar nas qualidades e defeitos dos seus redactores para acreditar que, adoptado o modelo, ele tenda a agilizar e simplificar as estruturas e garantir a melhor prossecução dos objectivos da Ordem, independentemente da orientação política que os corpos eleitos lhe queiram imprimir.
Antes de iniciar uma discussão séria sobre este tema é necessário decidir se se justifica manter e aperfeiçoar o modelo actual – adequando a distribuição e composição dos seus órgãos, os mecanismos da sua autonomia e dependência financeira, a distribuição de responsabilidades, etc. – ou se, pelo contrário, é necessário refundar a estrutura orgânica da Ordem. Esta opção basilar acompanha uma discussão maior da sociedade portuguesa, que se tem demonstrado indecisa e incapaz de optar seguramente entre um Estado centralizado ou regionalizado. E essa opção (centralizar/regionalizar) parece ser consideravelmente independente de outros debates importantes e que reflectem a própria mudança de forma, dimensão e hábitos da classe profissional, nomeadamente a criação de Colégios de Especialidades, ou as aspirações à criação de Sindicatos e outras estruturas de reivindicação. Se essa outra discussão deve e tem de ser feita, ela só será compreensível à luz de um, ou de outro, modelo orgânico. Ou seja, há que decidir, antes de prosseguir com o debate do Estatuto, que modelo é, supostamente, o mais eficaz para a afirmação dos Arquitectos como profissionais necessários ao desenvolvimento da sociedade portuguesa.
Essa decisão é simples: ou se opta pela concentração nacional, eventualmente capaz de aumentar a eficiência interna, reduzindo o número de órgãos e de pessoas, aumentando a concentração dos serviços, racionalizando as despesas, etc., ou se opta pelo modelo mais dispendioso, mais complexo porque gerador de repetições e duplicações, eventualmente mais eficaz na relação directa em diferentes lugares e, seguramente, gerador de contradições e divergências internas. Como já se sublinhou, o segundo modelo está instalado, experimentado (para o melhor e para o pior) e corresponde à evolução histórica da profissão em Portugal: a mudança de modelo será uma revolução.
O caminho da felicidade.
Os arquitectos vão, mal seria, continuar a lamentar-se das condições deploráveis em que exercem a sua profissão. A revisão do Estatuto não resolverá esse problema maior que ultrapassa plenamente as capacidades e as qualidades dos próprios arquitectos. Um bom Estatuto poderá, na melhor das hipóteses, clarificar e simplificar a orgânica interna do principal (mas não único) meio de representação da classe, poupando um sem número de dores de cabeça e de disputas internas.
Trata-se portanto de resolver como se estrutura um dos mecanismos de representação da classe. E, para reforçar esse papel representativo na sociedade e na administração, parece imprescindível garantir mecanismos mais seguros de validação e legitimidade dos corpos directivos, por um lado, e mecanismos mais amplos e abrangentes para a ratificação das suas decisões. Sabendo, naturalmente, que não é a qualidade da representação dentro de uma classe profissional que irá transformar o deficit democrático da sociedade, como tão bem tem demonstrado o prolongado e atribulado processo de revisão do regime jurídico da edificação e urbanização. Mas mesmo admitindo as imperfeições da sociedade, torna-se caricato imaginar um auditório de 6.000 lugares todos ocupados, numa concentração nunca vista de arquitectos portugueses em plena efervescência, e ser necessário pedir à plateia inquieta mais meia-hora de paciência para poder prosseguir com a assembleia, porque o quórum ainda não estaria formado. A revisão do Estatuto deverá ponderar este género de incongruências para não tornar ridícula a capacidade representativa dos corpos eleitos.
E, por mais que persistam miragens de consensos e pontos comuns sobre o papel social do arquitecto e sobre as capacidades transformadoras da arquitectura, a representatividade da classe tende a afunilar o discurso na voz única de um órgão presidencial que, paradoxalmente, não só não é (por natureza) efectivamente representativa, como não consegue (por contingência) afirmar-se como representativa. A possibilidade da multiplicidade interna de posições e argumentos, desde que regulada pelo bom senso e pelo respeito mútuo (e uma estrutura orgânica mais racional) parece, se não mais eficaz, pelo menos mais abrangente ou capaz de se tornar efectivamente mais representativa.
Um pouco de pragmatismo
O debate em torno do modelo orgânico da Ordem dos Arquitectos, para que não se transforme num devaneio ou reflexão circunstancial, exige que haja uma proposta de modelo como ponto de partida. Se essa proposta for a manutenção do modelo actual, ela deve ser clara e o debate não deve, em nenhum momento, propor a reorientação da estrutura para um modelo mais centralizado. Se, pelo contrário, a proposta for um modelo centralizado, não se deve continuar a debater os mecanismos de distribuição e partilha de responsabilidades regionais. Neste momento há que optar, e prosseguir o debate apenas depois dessa opção. Debater o modelo sem optar pela sua característica essencial, independentemente dos pormenores e ajustes que irão definir os limites e os alcances de cada órgão, é uma conversa sem sentido.
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