#5 – Deontologia Profissional
1.
Esta última sessão do ciclo de debates, focada no tema ‘Deontologia Profissional (do arquitecto)’, aborda uma matéria central das associações públicas profissionais e, julgo, de maior interesse para o arquitecto.
Nunca será demais relembrar, para mais no início de um debate centrado neste tema, que a regulação do exercício profissional constitui um dos principais motivos de criação e existência das ordens profissionais – e, consequentemente, uma das suas principais atribuições -, e que a definição das regras deontológicas é, nesse âmbito, um dos pilares para a prossecução dessa atribuição (a par da definição das regras procedimentais e da criação dos poderes jurisdicionais).
2.
O actual quadro deontológico inerente ao exercício da profissão de arquitecto em Portugal encontra-se repartido entre as regras constantes no capítulo VII do Estatuto da OA e aquelas constantes no Regulamento de Deontologia, entretanto aprovado, o qual – importa sublinhar - integra em anexo as Recomendações de sobre Ética e Deontologia da UIA, dando-lhes aplicação subsidiária.
Convém, no entanto, chamar também à atenção que a jurisdição disciplinar sobre o arquitecto assenta não só neste corpo de regras escritas incluídas no EOA e RD, mas também nos entendimentos proferidos pelos conselhos disciplinares nos seus acórdãos e nas suas deliberações (que assim se constituem como normativos de jurisprudência) e ainda nas normas, não necessariamente escritas, que sejam aceites como correntes no normal exercício da profissão.
Na apreciação deste vasto corpo de preceitos, parece-me adequado distinguir entre os ‘grandes princípios deontológicos’ e as regras deontológicas (ou normas de conduta), estas últimas mais focalizadas em situações concretas da prática profissional, ainda que necessariamente sempre fundamentadas nas preocupações contempladas num, ou em vários, dos referidos ‘grandes princípios’.
3.
Parece-me igualmente importante, ter presente, no contexto deste debate, que as regras deontológicas devem ser entendidas pelo arquitecto como standards mínimos de conduta e que visam estabelecer ao ‘consumidor’, isto é, ao destinatário dos serviços de arquitectura, uma garantia de qualidade relativa à conduta do profissional em causa, garantia de qualidade essa independente da formação cívica e ética do prestador, isto é, do arquitecto.
São regras que obrigando o prestador geram ao destinatário do serviço, senão direitos, pelo menos expectativas.
4.
Pretendemos, hoje e aqui, ponderar acerca de eventuais alterações a introduzir no EOA em matéria deontológica.
Não poderá alhear-se deste propósito o facto de também o actual Regulamento de Deontologia (RD), que – lembro - emergiu do Estatuto ora questionado, estar a aguardar, há já algum tempo e em face duma cláusula de reexame prevista no seu próprio articulado, a sua revisão.
Assim, perante a ‘necessidade’ de revisão do RD, por um lado, e o propósito de eventual alteração dos preceitos de conteúdo deontológico do EOA, por outro, suscita-se, antes do mais, uma questão prévia: a de saber o que deverá/poderá, ou não, ser objecto de eventual alteração no âmbito de uma reavaliação da deontologia profissional do arquitecto? Os princípios fundamentais? Os normativos que regulam circunstâncias práticas conjunturais? A organização e distribuição de conteúdos? A formulação das regras deontológicas?
Seja como for, tenhamos sempre presente que estaremos a mexer em matérias que, ao abrangerem valores éticos de uma sociedade, se revestem de grande sensibilidade.
5.
Outra questão prévia, correlacionada com a existência de um RD, reside no seguinte: por definição, um regulamento interno (como é o caso do RD) não deve / não pode, julgo, introduzir regras de carácter mais restritivo do que os preceitos previstos no acto legislativo que o despoletou e enquadra.
Daí que, no que toca à articulação destes dois documentos (EOA + RD), se imponham para este debate, duas questões:
- estarão efectivamente todos os preceitos normativos do actual Regulamento de Deontologia resguardados por preceitos gerais constantes do EOA? Isto é, e colocando a questão mais na óptica do nosso debate: que princípios gerais importaria porventura acrescentar aos já previstos no EOA para que todas as normas existentes no RD - as actuais ou as futuras (possivelmente não muito diferentes) – encontrem, seguramente, o necessário fundamento no respectivo instrumento legal de categoria superior?
- e, como devem articular-se os conteúdos de natureza deontológica contidas no EOA e no Regulamento de Deontologia? Que arrumação fazer aos conteúdos? Princípios gerais para um lado, normativos para outro?
6.
Se olharmos para o conteúdo do capítulo VII do EOA, aquele que se refere à Deontologia do Arquitecto, verificamos que este inicia com um artigo de princípios gerais de deontologia para, em seguida, mencionar as incompatibilidades absolutas e por fim especificar, em maior detalhe e quanto a cada um dos princípios gerais mencionados no artigo inicial, situações práticas neles enquadráveis.
Os princípios gerais referidos sujeitam a actuação do arquitecto ao princípio do interesse público, da isenção, da competência e da boa relação com os colegas.
São estes princípios gerais também preconizados nas restantes profissões livres e, assim, a deontologia do arquitecto aparentemente pouco difere de outras profissões. Em face desta aparente uniformidade, pouco parece susceptível de ser questionado.
Mas será esse leque de princípios gerais suficiente?
Não deverá o perfil de conduta profissional do arquitecto ser mais rico?
Não haverá que atender a circunstâncias específicas inerentes à profissão de arquitecto?
E serão as especificações, dadas nos artigos 47.º a 51.º, quanto à forma do arquitecto dar expressão a esses princípios gerais, suficientes?
Não deveriam nos princípios deontológicos gerais do arquitecto serem considerados o dever de idoneidade, de imparcialidade, de afectação das suas competências ao exercício profissional, de proficiência, de licitude na acção profissional, de colaboração com os colegas e a instituição, de informação e esclarecimento prévio aos clientes, de não descriminação por via da sua actuação profissional, de valorização da profissão e do profissional, de valorização do património natural, ambiental e edificado, de lealdade, de diligência, de assunção de autoria e responsabilidades, de sigilo profissional, etc?
Ou será que estes princípios já se encontram implicitamente incluídos nos previstos no Estatuto da OA?
7.
Ao nível do regime das incompatibilidades absolutas, previstas no art.º 46.º, exceptua-se o exercício do cargo de deputado da assembleia nacional, não acontecendo o mesmo quanto às assembleias regionais.
Porque motivo se encontra excepcionada do regime geral de incompatibilidades o exercício da função de deputado na AR? E, a haver motivos para tal, porque motivo não se encontra também excluído o exercício da função de deputado nas Assembleias das Regiões Autónomas?
E, das assembleias municipais, pelas quais passa a aprovação dos regulamentos municipais, com impacto no trabalho do arquitecto, nada consta sequer.
Não deveria ser o exercício da sua função incompatível?
Por isso a questão: não haverá outros desempenhos incompatíveis a considerar?
8.
Em matéria de impedimentos, o Estatuto da OA é omisso.
Mas pergunto: não deveriam os arquitectos ser impedidos de intervir num processo de legalização, isto é, num licenciamento à posteriori, por este atentar contra a essência da profissão (A profissão de arquitecto emergiu da sua capacidade de conceber, ‘antevendo’ a solução em função das necessidades programáticas manifestadas. O acto de legalização reduz o arquitecto a um mero representador de uma realidade existente)?
E, noutro domínio, será que não haverá alguma incompatibilidade entre um arquitecto pertencer a um alvará de ECC e o exercício da profissão? Deve um arquitecto poder fazer parte do alvará duma empresa que irá executar uma obra da sua autoria?
9.
Por outro lado, novas realidades surgem no domínio de actuação do arquitecto, colocando à sua Deontologia Profissional novos desafios.
Verificamos, por exemplo, um crescente exercício da profissão em regime societário.
Não seria de extrapolar às sociedades de arquitectura, enquanto entidades jurídicas colectivas, algum tipo de obrigação deontológica equivalente aos profissionais em actuação individual?
Como enquadrar p.ex., nesse âmbito, a proibição de prestação de auxílio a colega suspenso por decisão disciplinar, quando esse colega é sócio da sociedade?
Verificamos que o arquitecto diversifica a sua actuação, acumulando funções congéneres ou próximas.
Ainda que se perceba a preocupação subjacente, será vantajosa a impossibilidade, prevista no RD, do arquitecto exercer a função de fiscalização numa obra a ser realizada com projecto da sua autoria?
Verificamos que surgem novas formas de concurso.
Não contrariam, os concurso de melhor preço, regra do Art.º 50.º do Estatuto da OA, alínea c) que refere que o arquitecto deve abster-se de exercer competição fundada unicamente na remuneração?
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