» OBRIGATORIEDADE DA EXISTÊNCIA DE MEIOS MECÂNICOS PARA VENCER MUDANÇAS DE NÍVEL / PISO NAS HABITAÇÕES FAMILIARES.
O Decreto-Lei n.º 163/2006, conforme estabelece o seu artigo 1.º, tem por objecto: "...a definição das condições de acessibilidade a satisfazer no projecto e na construção de espaços públicos, equipamentos colectivos e edifícios públicos e habitacionais".
No cumprimento do seu objecto, este diploma, aprovou as normas técnicas que os edifícios, as construções e os equipamentos por ele abrangidos devem obedecer. Pretende assim propiciar às pessoas com mobilidade condicionada, uma participação activa e integrada na sociedade, sem condicionamentos físicos que impeçam uma normal vivência do quotidiano.
No entanto, o Decreto-Lei n.º 163/2006 tem-se mostrado de difícil aplicação. Esta dificuldade revela-se na interpretação do articulado da Lei e das respectivas normas técnicas, assim como na transposição e aplicação prática dos seus conteúdos, em projecto e construção.
Uma das questões que mais dúvidas têm levantado, surge com a aplicação das regras técnicas para vencer mudanças de nível nos pisos das habitações.
Tem-se verificado que, as entidades que procedem ao controlo prévio das operações urbanísticas previstas no Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com a redacção da Lei n.º 60/2007 de 4 de Setembro, têm interpretações diversas, para não dizer distintas, na aplicação do Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de Agosto, quanto à obrigatoriedade da existência de meios mecânicos para vencer mudanças de nível / piso nas habitações familiares.
A norma técnica 3.3.7 do Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de Agosto de 2006, estabelece para os edifícios de habitação que:
"3.3.7 - Os pisos e os revestimentos das habitações devem satisfazer o especificado na secção 4.7 e na secção 4.8; se os fogos se organizarem em mais de um nível, pode não ser cumprida esta condição desde que exista pelo menos um percurso que satisfaça o especificado na secção 4.7 e na secção 4.8 entre a porta de entrada/saída e os seguintes compartimentos: (...)
1) Um quarto, no caso de habitações com lotação superior a cinco pessoas;
2) Uma cozinha conforme especificado no n.º 3.3.3.
3) Uma instalação sanitária conforme especificado no n.º 3.3.4."
De acordo com a mencionada norma técnica 3.3.7, os pisos das habitações, devem observar os requisitos estabelecidos nas Secções 4.7 e 4.8, do DL n.º 163/2006, ficando afastado o seu cumprimento caso exista um percurso acessível entre a porta de entrada e os compartimentos acima referidos no 1), 2) e 3) da norma técnica 3.3.7.
A Secção 4.8 refere-se aos ressaltos nos pisos, respeitando a norma técnica 4.8.2, às mudanças de nível:
"4.8.2 - Se existirem mudanças de nível, devem ter um tratamento adequado à sua altura:
1) Com uma altura não superior a 0,005 m, podem ser verticais e sem tratamento do bordo;
2) Com uma altura não superior a 0,02 m, podem ser verticais com o bordo boleado ou chanfrado com uma inclinação não superior a 50%;
3) Com uma altura superior a 0,02 m, devem ser vencidas por uma rampa ou por um dispositivo mecânico de elevação."(o sublinhado é nosso).
Se estivermos perante uma mudança de piso, em que o desnível tem uma altura superior a 0,02m, de acordo com o texto da alínea n.º 3 do preceito atrás vertido, parece ser necessária a existência de meios mecânicos para vencer a diferença de altura. No entanto tal obrigação, no caso das moradias familiares, seria exagerada e desproporcionada e, no nosso entender, o Decreto-Lei n.º163/2006 apresenta uma evidente contradição quanto à sua exigência.
Assim,
No Capítulo 3, do Decreto-Lei n.º 163/2006 - Edifícios, estabelecimentos e instalações com usos específicos - são também estabelecidas regras que definem o modo de vencer as diferenças de altura entre pisos:
"Secção 3.2 - Edifícios de habitação - espaços comuns:
3.2.1 - Nos edifícios de habitação com um número de pisos sobrepostos inferior a cinco, e com uma diferença de cotas entre pisos utilizáveis não superior a 11,5 m, incluindo os pisos destinados a estacionamento, a arrecadações ou a outros espaços de uso comum (exemplo: sala de condóminos), podem não ser instalados meios mecânicos de comunicação vertical alternativos às escadas entre o piso do átrio principal de entrada/saída e os restantes pisos.
3.2.2 - Nos edifícios de habitação em que não sejam instalados durante a construção meios mecânicos de comunicação vertical alternativos às escadas, deve ser prevista no projecto a possibilidade de todos os pisos serem servidos por meios mecânicos de comunicação vertical instalados a posteriori, (...)"
Verifica-se assim que em situações de habitação multifamiliar, com um número de pisos inferior a cinco e com diferença de cotas entre pisos utilizáveis não superior a 11,5 m, nos termos atrás descritos, é possível a não instalação de meios mecânicos de comunicação vertical alternativos às escadas, entre o piso do átrio principal de entrada/saída e os restantes pisos, desde que se preveja em projecto a possibilidade de uma futura instalação.
A contradição, que entendemos existir neste diploma, reside no facto de, numa moradia unifamiliar de dois pisos, poder ser obrigatória a instalação de meios mecânicos de comunicação vertical alternativos às escadas, caso as divisões do piso de entrada não preencham os requisitos quanto à existência de um percurso acessível, quando não é exigível a sua instalação no caso de uma habitação multifamiliar com cinco pisos, nos termos acima descritos.
Esta contradição torna-se mais clara quando num edifício de habitação colectiva temos habitações com mais de um piso.
Se fizermos uma interpretação restritiva do preceito em causa, nos edifícios com um número de pisos inferior a cinco e com diferença de cotas entre pisos utilizáveis não superior a 11,5 m, pode não ser exigida a instalação de meios mecânicos, mas, se em alguma das habitações que compõem o edifício existir, no seu interior, um desnível com uma altura superior a 0,02m, de acordo com a alínea n.º 3 da regra 4.8.2, poderia ser necessária a existência de meios mecânicos para vencer a diferença de altura.
Veja-se o caso dos chamados "duplex". Normalmente este tipo de habitações, no piso de entrada, não cumpre com os requisitos previstos na norma 3.3.7, do DL n.º 163/2006, não possuindo os compartimentos necessários para efeitos de constituição de percurso acessível. Teríamos que instalar meios mecânicos para vencer a diferença de altura entre os pisos da fracção. Mas se este "duplex" fosse uma fracção de um edifício, com um número de pisos inferior a cinco e com diferença de cotas entre pisos utilizáveis não superior a 11,5 m, não seríamos obrigados a instalar meios mecânicos nas partes comuns. Teríamos uma situação absurda em que dentro das habitações existiam meios mecânicos e nas partes comuns não, mesmo na ligação da entrada do edifício à entrada das fracções.
A suposta exigência de instalação de meios mecânicos de comunicação vertical alternativos às escadas, nas habitações unifamiliares, é extremamente penosa, importando em custos acrescidos à construção que serão, na maior parte das vezes, insuportáveis para os particulares.
Conclusão:
Atendendo à contradição existente parece-nos aceitável do ponto de vista jurídico fazer uma interpretação extensiva do disposto na regra 3.2.1, do Decreto-Lei n.º 163/2006, que estabelece as regras para a instalação de meios de comunicação vertical alternativos às escadas nos espaços colectivos das habitações,aplicando a mesma às habitações unifamiliares. Assim, ficariam os interessados apenas obrigados a prever no projecto de arquitectura (plano de acessibilidades) a possibilidade de instalar, posteriormente, os meios mecânicos de comunicação vertical alternativos às escadas e não a obrigatoriedade da instalação imediata na construção.
Dr. Nuno César Machado
(Assessor Jurídico Secção Regional Norte da Ordem dos Arquitectos)