2024-06-14 | Concurso de Conceção/construção para habitação a custos controlados em Cambres
COMUNICADO
Concurso de Conceção/construção para habitação a custos controlados em Cambres
Promovido pelo Município de Lamego
No seguimento da tomada de conhecimento do Concurso de «Conceção/construção para habitação a custos controlados em Cambres», publicado em D.R. n.º 87, de 6 de maio de 2024, o Conselho Diretivo Regional do Norte (CDRN) da Ordem dos Arquitectos (OA), no âmbito da prossecução das suas atribuições, definidas no Estatuto da Ordem dos Arquitectos - Decreto-Lei 176/98, de 3 de Julho, na sua última redação -, procedeu à análise das peças do procedimento, disponíveis na plataforma eletrónica AnoGov, com base na legislação aplicável - Código dos Contratos Públicos (CCP), Portaria n.º 255/2023, de 7 de agosto, e demais diplomas em vigor -, e nas premissas por si defendidas.
Na sequência daquela análise, o CDRN, após um contacto prévio com a Divisão de Infraestruturas Municipais do Município de Lamego, procedeu ao envio de um ofício à Entidade Adjudicante, onde apresentou algumas recomedações sobre o procedimento e manifestou toda a sua disponibilidade em colaborar com os seus serviços, em prol da salvaguarda do interesse público, dos superiores interesses da Entidade Adjudicante e das necessárias condições para o exercício da atividade profissional dos arquitetos e demais projetistas, com vista à promoção de um trabalho que dignifique todos os intervenientes.
Assim, no sentido de esclarecer os nossos membros, importa ter em consideração o seguinte:
1. TIPO DE PROCEDIMENTO
Na sequência da análise sumária às peças do procedimento, verifica-se, de acordo com o art.º 25.º do Programa do Procedimento, que o procedimento foi lançado ao abrigo do art.º 2.º-A da Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, que aprova as Medidas Especiais de Contratação Pública, ou seja, à luz do «Regime Especial de empreitadas de conceção-construção».
Antes de mais, há que ter em conta que a OA, não sendo «contra o regime de Conceção-Construção, considerando-o um regime válido e perfeitamente balizado no atual Código de Contratos Públicos ...» enquanto «... um regime excecional, para casos devidamente fundamentados, onde a complexidade da obra impõe uma ligação do executante à sua conceção,» conforme consagrado no n.º 3 do art.º 43.º do CCP, não corrobora com a transformação de um regime excecional num regime de regra, pois que entende que o regime de conceção-construção consagrado no art.º 2.º-A da Lei n.º 30/ 2021, de 21 de maio, resultará num generalizado decréscimo da qualidade da obra construída, com graves implicações para o território e para a paisagem edificada, bem como para o exercício da profissão de arquiteto, estando em causa questões da relevância maior para a salvaguarda da Arquitetura e do interesse público subjacente.
Ora, apesar do Regime Especial de empreitadas de conceção-construção se encontrar atualmente consagrado na Lei portuguesa, o CDRN entende que o tipo de procedimento adotado pela entidade adjudicante não terá sido a melhor opção para o objeto em questão, levantando uma série de questões técnicas e jurídicas, que terão certamente implicações na qualidade do projeto, da obra que o materializa e do interesse público à qual a mesma visa fazer face.
2. DISPÊNDIO DE RECURSOS
Segundo o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 78/2022, de 7 de novembro, «Neste quadro de criação de medidas de aceleração e simplificação procedimental, entende-se como especialmente destacável a criação, ..., de um novo regime de conceção-construção especial, ..., que possibilite a eliminação de dispêndios de tempo e recursos desnecessários, por parte da entidade adjudicante, ...».
Ora, analisados estes que são, em forma e conteúdo, casos práticos deste novo tipo de procedimento, o CDRN constata que o governo, com a tão prometida agilização e simplificação dos procedimentos para as entidades adjudicantes, não teve em linha de conta similares requisitos para os operadores económicos, pois que este tipo de procedimentos está a imputar àqueles um esforço imensurável de tempo, recursos humanos e financeiros que não serão compensados.
Com o grau de exigências apresentadas no art.º 12.º do Programa de Procedimento, onde são indicados os documentos que constituem a proposta, a Entidade adjudicante está a imputar a todos os concorrentes um esforço imensurável de tempo, recursos humanos e financeiros para elaboração de uma fase de projeto que representa, em condições normais, 25% do custo do projeto - de acordo com o artigo 12.º da Portaria n.º 255/2023 de 7 de agosto -, e que apenas será consequente e objeto de algum retorno economico-financeiro, no caso da entidade com quem for celebrado o contrato.
3. CRITÉRIOS DE ADJUDICAÇÃO
À luz do Regime Especial de empreitadas de conceção-construção, e nos termos do n.º 5 do art.º 2.º-A da Lei n.º 30/ 2021, de 21 de maio, as propostas dos concorrentes, nas suas duas vertentes - projeto e empreitada -, serão avaliadas pela modalidade multifator, devendo obrigatoriamente «os fatores e eventuais subfactores que o densificam ser estritamente objetivos, garantir uma adequada comparabilidade das propostas e incluir, pelo menos, o preço relativo à conceção e o preço relativo à execução da obra».
Contudo, analisado o Anexo I do Programa do Procedimento, verifica-se que um dos fatores de adjudicação, que diz respeito à avaliação da «Valia Técnica da Conceção», contém subfatores de natureza subjectiva, como sejam a «Adequação à solução arquitetónica/ Solução conceptual da proposta», a «Avaliação de Qualidade formal da proposta/ Qualidade da conceção» e a «Avaliação da sustantabilidade Ambiental».
Apesar de, nesta nova modalidade de procedimento, ser obrigatório a utilização de fatores e subfactores de natureza objetiva, a avaliação de qualquer solução conceptual implica, necessariamente, ter um conjunto de fatores e eventuais subfatores subjetivos, conforme o fazem no presente procedimento, mas que contraria o estipulado na lei.
Ora, essa natureza subjetiva da avaliação de trabalho e não de condições contratuais para uma aquisição de serviços de elaboração de projeto esteve na origem da especialidade do procedimento concurso de conceção, no âmbito do qual as soluções têm de ser avaliadas de per si e não por comparação. Assim, o legislador do Código dos Contratos Públicos assumiu a diferença substancial e intrínseca aos diferentes procedimentos, extraindo as consequências ao nível dos modelos de avaliação, por serem inconciliáveis. E é precisamente esta natureza que está a ser deturpada e substimada pelo regime da conceção-construção especial, que reconduz ao modelo de avaliação objetivo típico dos procedimento pré-contratuais do CCP o do procedimento especial que permite a seleção de trabalhos de conceção.
4. JÚRI
Tendo em conta que a avaliação de uma solução conceptual implica, necessariamente, ter um conjunto de fatores e eventuais subfatores subjetivos, consequentemente, a constituição do júri implica a existência de profissionais com a mesma habilitação profissional exigida aos técnicos que elaboram o projeto alvo de análise, como forma de garantir uma apreciação adequada das propostas - projetos de arquitetura - por técnicos legalmente habilitados para o efeito.
Nesse sentido, o CDRN entende ser desejável a integração de arquitectos na composição efetiva do júri nos concursos de conceção-construção, por forma a ser garantida uma apreciação adequada das propostas, no que toca à parte da conceção.
5. PREÇO BASE
De acordo com a cláusula 33.ª do Caderno de Encargos, o Preço Base fixado pela entidade ajduciante é de 2.929.225,01 €, ao qual acrece o IVA à taxa em vigor, sendo que, à componente da conceção atribuiram um montante de 20.000,00 € e à componente da execução da obra atribuiram um montante de 2.909.225,01€.
Assim, contata-se que o montante afeto à elaboração dos vários projetos, na fase de projeto de execução, e à assistência técnica, é de apenas 0,68 % relativamente ao montante fixado para a execução da obra, serviços aqueles que, de acordo com o art.º 12.º da Portaria n.º 255/2023 de 7 de agosto, representam um total de 45% do custo total do projeto.
A acrescer ao acima exposto, e uma vez que, de acordo com com os art.ºs 9.º e 10.º do Anexo I, os preços das propostas, para a conceção e para a execução da obra, serão alvo de avaliação de forma automizada, os concorrentes, na expetativa de celebrarem o contrato com a entidade adjudicante, irão, naturalmente, baixar o valor das suas propostas para cada um dos atributos, face aos montantes inicialmente fixados, reduzindo o valor afeto à elaboração dos vários projetos para percentagens abaixo dos 0,68 % acima indicados.
O CDRN entende que esta realidade tende a promover uma relação contratual menos equilibrada e conducente a uma menor satisfação dos vários interesses públicos em questão, introduzindo no mercado de aquisição de serviços de elaboração de projeto valores fora do contexto específico em que a mesma se dilui na componente de empreitada de obra pública.
6. LOTES
De acordo com o anúncio publicitado em Diário da República, o presente procedimento não é divido em lotes. Contudo, é indicado no n.º 5 do art.º 20.º do Programa do Procedimento que «a adjudicação fica limitada a dois lotes por cada concorrente ...», o que torna o procedimento pré-contratual de difícil interpretação, pois que, caso a adjudicação seja feita a mais do que um concorrente, a entidade adjudicante ficará em mãos com dois projetos distintos para o mesmo objeto, com as necessárias implicações legais que tal situação acarreta. Acreditando que a referência a uma adjudicação por lotes terá sido, certamente, um lapso de redação, sugerem-se os necessários ajustes ao Programa de Procedimento.
7. DIREITOS DE AUTOR
Para que esta nova modalidade seja exequível, terão as entidades adjudicantes que acautelar o respeito pelos direitos de autor que cabem aos técnicos autores do projeto de arquitetura das fases desenvolvidas até ao estudo prévio e das subsequentes fases de anteprojeto e projeto de execução, compatibilizando os respetivos direitos/deveres de assistência técnica.
Nesse sentido, alertou-se o Município de Lamego para a necessidade do cumprimento das regras estabelecidas no Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.
Face às reservas acima apresentadas, o CDRN não pôde deixar de as comunicar à Entidade Adjudicante, para uma consciencialização das debilidades detetadas e para uma reflexão sobre as medidas de melhoria a implementar neste ou noutros procedimentos futuros, disponibilizando os seus serviços para qualquer apoio ou esclarecimento que entendam necessário.
14/06/2024
Área da Encomenda
Conselho Diretivo Regional do Norte da Ordem dos Arquitectos
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