OASRN



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DISCUSSÃO COMPLETA DA DELIBERAÇÃO DA PETIÇÃO
DEBATE NA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

30.MAI.03
 

Srs. Deputados, terminado o debate do projecto de resolução n.º 19/IX, passamos, agora, ao ponto seguinte da nossa ordem de trabalhos, que consiste na discussão conjunta da petição n.º 22/IX (1.ª) – Apresentada pelo Arquitecto Nuno Teotónio Pereira, pelo Prof. Dr. Diogo Freitas do Amaral e outros, sobre o direito à arquitectura e revogação do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, e do projecto de deliberação n.º 17/IX – Direito à arquitectura e revogação do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro (PS, PSD, CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes). A primeira oradora inscrita é a relatora da Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações sobre esta matéria. Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Gonçalves.

A Sr.ª Isabel Gonçalves (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A petição n.º 22/IX, hoje em discussão, foi subscrita por 54 839 cidadãos e tem como primeiros peticionantes o Sr. Arquitecto Nuno Teotónio Pereira e o Professor Dr. Diogo Freitas do Amaral. O peticionários apelam à Assembleia da República para que tome as medidas legislativas que se impõem com vista à revogação do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, salvaguardando o princípio de que os actos próprios da profissão de arquitecto competem exclusivamente a arquitectos. Apelam ainda para que a Assembleia da República solicite ao Governo a definição, de modo compatível com a reserva de actividade de arquitecto aos arquitectos, do regime de qualificação profissional exigível aos restantes agentes no sector da construção, contribuindo-se, desse modo, para a regulação imprescindível de um sector de actividade de importância vital para o País.
A alteração legislativa que preconizam consubstancia-se na revogação do Decreto n.º 73/73, que instaurou um regime transitório, segundo o qual foram autorizadas pessoas não qualificadas a assumir e a assinar projectos de arquitectura.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tendo em consideração todo o enquadramento legal e histórico relacionado com esta matéria, bem como os contributos entretanto recebidos, podemos concluir que o objecto da petição em causa tem fundamento e que a sua concretização trará benefícios para a qualidade de vida de cada cidadão e da sua comunidade. O direito à arquitectura é uma consequência lógica dos direitos à habitação e urbanismo e ao ambiente e qualidade de vida consagrados na Constituição da República Portuguesa.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - A manutenção do regime transitório consagrado pelo Decreto n.º 73/73 implica a existência de uma incoerência técnico-profissional e jurídica, com uma demissão do Estado no que respeita à regulação do sector da construção e da qualidade arquitectónica para a protecção do ambiente e do património, impedindo o exercício da profissão de arquitecto num ambiente de concorrência legal.
A manutenção deste decreto-lei é incompatível com a Directiva 85/384/CEE, de 10 de Junho de 1985, e com o Decreto-Lei n.º 176/98, de 3 de Julho, comprometendo a coerência de todo o sistema, sendo urgente um novo regime de qualificação profissional no domínio da construção, para a regulação de um sector de actividade de importância vital para o País, como já referimos.
Importa, por último, reflectir também sobre a posição dos profissionais com outras qualificações que, actualmente salvaguardados pelo Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, podem subscrever projectos de arquitectura, a quem deve ser conferido um tempo de adaptação e a possibilidade de serem reencaminhados para as tarefas que, de acordo com as respectivas qualificações, estejam materialmente aptos a desempenhar. Finalmente, conclui-se que, embora não havendo direitos adquiridos nem expectativas legítimas a proteger, deverá ser definido um período razoável de transição para o reencaminhamento dos profissionais reconhecidos pelo Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Carloto.

A Sr.ª Paula Carloto (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A petição e o projecto de deliberação que hoje apreciamos merece ao Grupo Parlamentar do PSD a maior atenção e respeito, considerando que se trata de uma matéria relacionada com um dos principais sectores de actividade do País, quer do ponto de vista económico, quer do ponto de vista social, na medida em que é eivado da fundamentação que suporta as mais recentes convicções, que todos temos, sobre qualidade de vida dos cidadãos.
Os peticionários, justa e legitimamente, apelam a que se tomem as medidas legislativas tendentes à revogação do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, salvaguardando o princípio de que os actos próprios da profissão de arquitecto competem exclusivamente a arquitectos. De facto, a manutenção do regime transitório em que «as câmaras municipais foram autorizadas a aceitar projectos da autoria de pessoas não qualificadas» é incompatível com as mais elementares regras de coerência técnico-profissional que se exigem no mundo contemporâneo para o desempenho de qualquer actividade profissional.
O Estado não se pode demitir da função de definir regras de acesso ao exercício profissional e à consequente responsabilização técnica dos autores, sobretudo quando o sector em que se inserem determina parcerias obrigatórias, essas, sim, de enquadramento e de avaliação subjectiva, nomeadamente mérito e qualidade arquitectónica.
A coerência do sistema determina obrigatoriamente que as qualificações profissionais sejam valorizadas e responsabilizadas pelos actos profissionais praticados, enquanto actos enformadores da dinâmica do próprio sector.
O mérito fundamental desta petição foi o de centrar a discussão do tema da arquitectura para arquitectos, mas, mais do que isso, obrigar à discussão da responsabilidade do arquitecto face à sua concepção, considerando que não estamos só perante o mero exercício de uma actividade profissional mas que a arquitectura é uma forma de intervenção social, uma forma de intervenção activa e determinadora, no seio de uma sociedade que se quer cooperante ao nível das instituições que integram o sistema de apreciação e aprovação e sempre obrigatoriamente desempenhada no interesse público, o qual, para o que sobre esta matéria releva, tem de ser considerado como um critério fundamental para definição da qualidade da arquitectura e do ambiente urbano, mas que não pode nem deve ser visto como um interesse abstracto e homogéneo, nem pode ser analisado redutoramente, considerando o Estado o único intérprete válido sobre o seu sentido e definição.
A noção de interesse público é, e só pode ser, a tradução dos valores integrais da democracia, enquanto definidora de um Estado onde é fundamental a igualdade, a diversidade e a participação activa de todos nas opções sobre o território. As relações de parceria e cooperação entre cidadãos, técnicos, autarquias e Estado em geral é urgente, mas também é urgente uma arquitectura que, para além do profissional, que projecta, e do Estado, que aprecia e aprova, seja pensada, definida, apoiada e participada pelos cidadãos, que só podem, por definição, ser o público-alvo de toda a criação. Só o interesse público pode garantir, de facto, o sentido do património construído e a construir e a qualidade do ambiente final, numa lógica permanente de resposta às necessidades actuais, sem comprometer a harmonia de hoje com as novas necessidades de amanhã.
Aliás, na senda dos mais recentes estudos de arquitectura no contexto europeu, quanto à gestão urbana sustentável, cada vez mais se exige a integração plena das preocupações ambientais, económicas e sociais, sendo cada vez mais urgente a participação de técnicos especialistas nas diferentes áreas de abordagem.
Os problemas que se colocam são sempre novos e cada vez mais relacionados com o quotidiano das pessoas. A reestruturação dos mercados de trabalho e os gostos e aptidões ambientais cada vez mais determinam a estrutura funcional e social das cidades, em permanente mutação e adaptação.
Deslocalizaram-se, provavelmente, os problemas das definições de áreas urbanas, densificando-se as novas áreas periféricas. O abandono dos centros das grandes cidades gerou novas questões de requalificação e readaptação de espaços e uma necessidade cada vez mais intensa de definição e planeamento, quer ao nível estritamente arquitectónico, quer ao nível urbanístico e ambiental, quer ainda ao nível da definição e implementação das redes de transportes e comunicações, públicas e privadas.
Só garantida esta integração se potencia a noção de qualidade de vida, tão coincidente com os valores culturais e humanos nas nossas cidades contemporâneas.
Para todo este enquadramento é essencial a participação do arquitecto, enquanto técnico cuja formação e até cultura profissional determina a clarificação dos mais modernos conceitos de qualidade no desenho e no ambiente urbano.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Cumpre realçar, antes de terminar, o elevado sentido de responsabilidade com que todos os partidos políticos representados nesta Assembleia trataram esta matéria, reunindo à volta da arquitectura uma postura coincidente e de oportunidade para prosseguir uma nova, ou talvez reinterpretada, linguagem do papel que se pretende, no século XXI, deste profissional.
O que está em causa não é a defesa cega e corporativa dos interesses de uma classe mas, sim, os mais elementares princípios e valores que devem reger a organização, nesta área, da sociedade contemporânea.
E permitam-me, por último, realçar o sexto parágrafo do projecto de deliberação, onde se lê: «Não havendo direitos adquiridos nem expectativas legítimas a proteger, deverá, no entanto, recomendar-se que seja definido um período razoável de transição, para reencaminhamento dos profissionais reconhecidos pelo Decreto n.º 73/73.»
É a sensatez e a democracia das soluções que, em cada momento, qualifica os seus profissionais, e, nesse sentido e sobre esta matéria, penso que todos estamos de parabéns. Sr.as e Srs. Deputados: Como já alguém referiu, «a arquitectura é a construção de um sonho num sítio». Mas, porque o sentido do sonho só pode ter o seu fundamento e fim na eficácia da sua tradução real, orgulhamo-nos de ser neste tempo civilizacional, mas sobretudo neste tempo político, que, valorizando a consagração constitucional do direito à habitação e urbanismo e ao ambiente e qualidade de vida, se discute e determina a urgência de definir o direito de todos à arquitectura.

Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP e do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A petição que estamos a apreciar e o projecto de deliberação que lhe está associado «colocam o dedo na ferida». E «colocar o dedo na ferida» significa um olhar para a qualidade do edificado e do próprio ordenamento do território no País que temos, que revela muitas fraquezas, muitas debilidades e muitas fracturas que importa superar.
Especialistas ligados ao turismo diziam, ainda há pouco tempo, com veemência, que só teremos turismo de qualidade quando houver urbanismo de qualidade. E essa questão é para nós da maior importância. Por isso, dizemos, seguindo o espírito da petição, «aos arquitectos o que é dos arquitectos», o que implica, necessariamente, que as autarquias não possam continuar a contratar, como fazem frequentemente, técnicos sem a credenciação e a qualificação necessárias para a apresentação de projectos que deveriam ser da autoria de arquitectos.
Estamos aqui a falar de uma questão que tem a ver, inclusivamente, com direitos de autor de uma profissão reconhecida e credenciada e também com um modelo de desenvolvimento onde as palavras-chave são a qualificação e a qualidade. Por isso mesmo, a opção está posta em cima da mesa, e nós optamos unanimemente pela qualificação e pela qualidade, que é, a meu ver, um factor que enobrece a nossa Assembleia.
Importa, pois, aliar estética e ética profissional, apostar na preservação e no ordenamento do território, do património e do ambiente e olhar para este país não como o reino dos «patos bravos» mas, sim, como o País onde o edificado e o território traduzam não só aquilo que é a memória mas também a identidade, identidade em construção e identidade de quem se quer rever em projectos de qualidade e num país capaz de suscitar, para além daquilo que são as suas belezas naturais, apreço internacional por aquilo que é o seu urbanismo, o seu edificado, por aquilo que são, no dizer do poeta Rui Belo, «as casas, as casas, as casas». Quero, por isso, manifestar o apoio do Bloco de Esquerda a este projecto de deliberação e enaltecer também os cidadãos que, em boa hora, trouxeram a esta Assembleia a petição que agora apreciamos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Penso que hoje estamos a viver uma experiência particularmente feliz e inédita, porque raras vezes temos sabido construir e ir ao encontro dos cidadãos. Houve, neste caso, uma procura de construção colectiva, uma procura de responder àquilo que mais de 50 000 cidadãos nos vieram dizer, ou seja, que a arquitectura tem de ser valorizada e que está intimamente ligada ao espaço que nos envolve, e por isso a sua qualidade não é indiferente ao nosso destino, à forma como estamos e ao nosso bem-estar.
Em primeiro lugar, quero começar por saudar os peticionários, cujo primeiro subscritor é o Arquitecto Nuno Teotónio Pereira. Julgo que aquilo que hoje está a ser discutido, embora tenham sido precisas três décadas, é o reconhecimento da importância da arquitectura, que, porventura, não sentimos de forma consciente em muitos dos gestos do quotidiano, mas, quando a qualidade não existe, isso é visível, é perturbador e interfere connosco. Em segundo lugar, julgo que a arquitectura nos remete para aquilo que é um direito constitucional, que desta forma se densifica e a que se dá corpo. Quando falamos em ambiente – e, no texto constitucional, ao falarmos de ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, estamos a falar de modo inovador – estamos a falar da relação do espaço à nossa volta, do diálogo das partes e de relações de vizinhança no espaço construído. Penso que, neste momento em que tomamos consciência, de uma forma prática, através de uma resolução, de que a arquitectura tem uma função social e joga um papel insubstituível na vida e no bem-estar das pessoas, estamos a dar conteúdo a um direito constitucional, que também desta forma sai um pouco mais do papel.
A terceira questão que me parece importante colocar em relação ao papel da arquitectura é a seguinte: por demasiadas vezes temos visto à nossa volta a mediocridade, a pobreza e a falta de qualidade orientadas exclusivamente pelo lucro fácil, pelo imediatismo e pela cedência a esse bem escasso, mas perverso, que é o solo, e também muitas vezes temos visto que os cidadãos têm estado divorciados da tomada de decisão, do envolvimento e da participação activa em decisões que, no fundo, mexem com a sua vida no imediato, mas que também têm repercussões em relação ao futuro.
Penso que, porventura se poderá acreditar, pelo menos Os Verdes acreditam, que com este projecto de deliberação se começa uma fase diferente, em que se compreenda a importância da arquitectura e a importância da profissão do arquitecto enquanto profissional como um elemento importante de diálogo com os cidadãos nas tomadas de decisão que os envolvem. Nada é mais íntimo do que o espaço que habitamos. E penso que, quando o espaço que habitamos vai ter repercussões na nossa vida e está para além da nossa vida, também isso nos remete para a solidariedade em relação ao futuro, para a solidariedade intergeracional. Esse, a meu ver, é também o papel da arquitectura.
Julgo que, neste caso, porventura de uma forma rara, a Assembleia, por impulso dos cidadãos, agiu bem, e, por isso, estamos francamente de parabéns.

Aplausos de Os Verdes, do PSD, do PS, do PCP e do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este debate que o Plenário da Assembleia da República agora realiza surge na sequência de uma iniciativa de participação e cidadania, que daqui saudamos, na pessoa do Sr. Arquitecto Nuno Teotónio Pereira, que, com os outros 54 838 cidadãos, exerceu o seu direito de petição e veio trazer à Assembleia da República uma preocupação e uma análise que, na verdade, não é de hoje nem de ontem, pelo contrário, tem sido uma questão abundantemente colocada no âmbito das discussões sobre a arquitectura e a construção em Portugal.
Se a arquitectura é, historicamente, acção criadora na arte e na técnica, também é indesmentível que o seu papel na sociedade assume uma evidente relevância, que é decorrente da responsabilidade fundamental na concepção de projectos edificatórios de qualidade, estética e funcional, de segurança e, naturalmente, de integração e valorização paisagística na sua envolvente.
Daí que a responsabilidade social da arquitectura e dos arquitectos, já por diversas vezes invocada em debates sobre esta matéria, seja uma das questões centrais quando se trata de reflectir sobre o enquadramento legal desta actividade. E o enquadramento legal em vigor passa, de uma forma determinante, por este diploma que tem estado há muito no centro das atenções – o Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro.
Tratando-se de legislação que remonta a uma época em que seriam centenas os profissionais inscritos no então Sindicato Nacional dos Arquitectos, é justo reconhecer que a fundamentação social e económica subjacente àquela medida, a ter sido admissível naquele determinado contexto, torna hoje flagrante o seu desfasamento em relação ao contexto que podemos observar.
O regime assumido como transitório, mas em vigor desde há 30 anos, que pretendia dar resposta às necessidades do País relativamente à concretização de edificações de diverso tipo, acabou por fixar uma situação que, no plano geral e abstracto, compromete os princípios e os objectivos que, no plano social, económico e cultural, consensualmente atribuímos à arquitectura.
É indispensável responsabilizar, garantir a qualidade, garantir a observância de normas profissionais e deontológicas e isso passa, antes de mais, por recusar a dualidade de critérios existente no que respeita à exigência quanto à preparação e formação específica para esta profissão.
Aliás, é nesse sentido que está consagrado o pressuposto e a orientação estabelecida pela directiva comunitária relativa a esta matéria, a Directiva n.º 85/384/CEE, que estipula claramente as competências e as áreas de preparação e formação que se deve exigir de forma unívoca, no espaço europeu, a todos aqueles que exerçam funções neste domínio. Do mesmo modo que, por analogia, o regime em vigor atribui aos engenheiros a responsabilidade pela sua intervenção no plano construtivo de estruturas e de infra-estruturas e no plano da concretização deste tipo de projectos, também não podemos deixar de considerar como de elementar justiça que, em matéria de projecto de arquitectura, a mesma metodologia seja aplicada aos arquitectos. Até porque o contexto actual do nosso país, ao contrário do que sucedia em 1973, permite que esse procedimento seja aplicado. Na verdade, ao contrário do que sucedia em 1973, já não temos centenas de arquitectos inscritos na Ordem dos Arquitectos mas, sim, milhares, mais concretamente cerca de uma dezena de milhar. Mesmo tendo o poder local democrático assumido um papel e uma intervenção incomparavelmente mais relevante no plano do desenvolvimento local, regional e nacional, face ao que acontecia há três décadas, apresenta hoje, no seu conjunto, uma situação de recursos humanos claramente distinta da que existia em 1973.
Aliás, a este respeito importa referir que nas próprias autarquias o pressuposto da importância do exercício da arquitectura é visível quando, em diversos casos, é exigido que o projecto seja elaborado por arquitectos. Recorde-se que autarquias CDU, como a de Beja, por exemplo, estiveram entre as primeiras a aplicar esta medida, e prova disso é a intervenção no centro histórico da cidade, iniciada neste termos há mais de duas décadas. Mesmo assim, no quadro das câmaras municipais em que a concepção de projectos desta índole se efectua ao abrigo do Decreto n.º 73/73 e, principalmente, no âmbito dos muitos trabalhadores, engenheiros, agentes técnicos de engenharia e outros, que nestes 30 anos têm exercido a sua actividade nesta matéria, é indispensável que sejam tomadas as medidas necessárias para garantir um regime de transição, que é fundamental para que a justeza e a importância dos pressupostos e dos objectivos afirmados nesta iniciativa não acabem por ficar manchados por um indesejável panorama de situações humanas, profissionais e organizacionais de incerteza e fragilidade.
Sendo evidente e indesmentível a necessidade de pôr cobro a uma situação que é provisória há 30 anos, não podemos ignorar a importância de não incorrer no erro inverso, que é justamente o de não acautelar as inúmeras situações de profissionais e de instituições sobre os quais esta alteração terá impacto. Aliás, é de difícil quantificação o número de técnicos sem formação académica de arquitectura que se encontram envolvidos neste processo de norte a sul de Portugal continental e nas regiões autónomas.
No fundamental, é esta a abordagem que faz o projecto de resolução n.º 17/IX, subscrito por todos os grupos parlamentares.
Ao considerar o debate e a reflexão – e o contributo inestimável – que a petição pelo direito à arquitectura veio trazer e suscitar ao Parlamento, ao considerar esta que é também a nossa visão sobre a necessidade de adequar um quadro normativo que foi sendo construído ao longo dos tempos e que carece de coerência e actualidade, o Grupo Parlamentar do PCP, naturalmente, subscreveu e apoia os objectivos de fundo que presidem a esta discussão. A terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma referência apenas a um dos pontos que integram o texto da petição que estamos a apreciar, o ponto 6, e à consideração que nele é expressa, ainda que de maneira muito breve.
Com o objectivo de não absolutizar a questão da formação e preparação específica, embora afirmando a sua importância, a petição refere, nesse parágrafo, que «é certo que a obtenção de qualificação académica, só por si, não determinará a qualidade da Arquitectura, que carece de muita prática, espírito crítico, experiência, criatividade, pesquisa e avaliação».
Concordamos com este texto e, entretanto, acrescentamos uma outra condição necessária para essa desejada qualidade da arquitectura: uma orientação política e económica diferente, para toda a economia e, concretamente, para o sector da construção e do imobiliário. É que, para nós, a reflexão e a intervenção política em torno das questões do direito a cidades melhores e mais humanizadas, da arquitectura, do ordenamento do território, não se desenvolvem em terreno neutro nem abstracto mas, sim, num terreno em que as contradições de interesses sociais e de classe se confrontam.
Há que não esquecer que a evolução territorial, urbanística e arquitectónica que temos não é separável dos muitos interesses contraditórios em presença. Nesse sentido, Sr. Presidente, o quadro legislativo que temos permite soluções avançadas, mas, acima de tudo, para que a especulação imobiliária ceda espaço à criatividade, à qualidade e ao desenvolvimento local, é fundamental a existência de uma outra orientação política. E até que aí se chegue, o País tem um grande caminho a percorrer.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Gonçalves.

A Sr.ª Isabel Gonçalves (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: «A arquitectura é um elemento fundamental da história, da cultura e do quadro de vida (…)» de cada país, «(…) que figura na vida quotidiana dos cidadãos como um dos modos essenciais de expressão artística e constitui o património de amanhã». Isto consta da Resolução do Conselho da União Europeia de 12 de Fevereiro de 2001.
O Conselho apelou aos Estados-membros que assegurassem um melhor conhecimento e promoção da arquitectura e da concepção urbanística e que sensibilizassem os cidadãos para a cultura arquitectónica, urbana e paisagística.
Estes objectivos legais são diariamente comprometidos pela manutenção, na prática, de um diploma legal já obsoleto, o Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, que não salvaguarda que os actos próprios da profissão de arquitecto sejam da exclusiva competência dos arquitectos. Importa, assim, que seja definido, de modo compatível com a reserva da actividade de arquitecto aos arquitectos, o regime da qualificação profissional exigível aos restantes agentes no sector da construção, contribuindo-se, desse modo, para a regulação imprescindível de um sector de actividade de importância vital para o País.
Ora, como é conhecido por todos, o Decreto n.º 73/73 instaurou um regime transitório, que autorizou pessoas não qualificadas a assinar projectos de arquitectura. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No final dos anos 60 início dos anos 70, Portugal vivia uma época de forte pressão populacional, com acentuado êxodo rural e um grande crescimento das cidades, designadamente as de Lisboa e do Porto, e das suas áreas metropolitanas.
Por outro lado, em 1969 eram, como aqui já foi referido, cerca de 500 os inscritos no então Sindicato Nacional dos Arquitectos; hoje, em Portugal, quer do ponto de vista social quer do ponto de vista deste sector profissional específico, a situação é claramente diferente. Existem actualmente cerca de 10 000 cidadãos inscritos na Ordem dos Arquitectos e outros tantos frequentam licenciaturas reconhecidas na área da arquitectura, onde a oferta também aumentou consideravelmente.
Por outro lado, é também significativa a diferença do que hoje é exigido do ponto de vista arquitectónico. Há actualmente, em Portugal, um profundo interesse pelas questões relacionadas com a renovação urbana e começa a perceber-se a existência de uma exigência crítica cada vez maior no que diz respeito à qualidade das construções. Isto exige, naturalmente, a credibilização dos profissionais deste sector.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A Constituição da República Portuguesa consagra, nos seus artigos 65.° e 66.°, o direito à habitação, ao urbanismo, ao ambiente e à qualidade de vida. Importa também referir que, em Junho de 1985, o Conselho de Ministros da União Europeia adoptou a Directiva n.º 85/384, conhecida por «Directiva Arquitectos» que regula o exercício profissional da arquitectura e na qual se determina que «a criação arquitectónica, a qualidade das construções, a sua inserção harmoniosa no ambiente circundante, o respeito das paisagens naturais e urbanas, bem como do património colectivo e privado, são do interesse público.»
Esta directiva foi transposta para o direito interno português pelo Decreto-Lei n.º 14/90, de 8 de Janeiro.
Ora, o Estado, através do Decreto-Lei n.º 176/98, de 3 de Julho, criou a Ordem dos Arquitectos, reconhecendo, assim, a necessidade de defender o interesse público e de salvaguardar as vantagens que o exercício desta profissão pode proporcionar à colectividade. Por outro lado, encontrámos diversas vezes, noutros diplomas, referências directas ou indirectas ao Decreto n.º 73/73, designadamente no Decreto-Lei n.º 205/88, de 16 de Junho, respeitante a projectos de arquitectura em imóveis classificados e respectivas zonas de protecção; no Decreto-Lei n.º 292/95, de 14 de Novembro, que estabelece a qualificação oficial para a elaboração de planos de urbanização, de planos de pormenor e de projectos de operações de loteamento; no Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de Julho, que aprova o regime de implantação de empreendimentos turísticos; no Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, sobre o licenciamento de obras particulares.
É assim de entender que, no caso presente, ao pretender-se a revogação do Decreto n.º 73/73, não há necessidade de proteger expectativas legítimas, porquanto todos os profissionais que, actualmente e ao abrigo do Decreto n.º 73/73, praticam actos próprios da profissão de arquitecto sem que para isso tenham as devidas habilitações, têm conhecimento, desde a publicação dos diplomas já referidos, que a situação iria, naturalmente, ser alterada. Por outro lado, entendendo-se ainda que não há direitos adquiridos a proteger, há, no entanto, que proteger e salvaguardar a situação de todos os profissionais que na sequência da revogação do Decreto n.º 73/73, deixarão de poder assinar projectos de arquitectura, definindo uma situação transitória para o seu reencaminhamento. Dispondo de um prazo, que, em nossa opinião, deverá ser razoável e não muito longo, para evitar que o provisório tenda a converter-se em quase definitivo, os profissionais deverão reorganizar a sua actividade em áreas ligadas à construção civil para as quais dispõem de conhecimentos e relativamente às quais se verifica actualmente, em muitos casos, a existência de carências no mercado. Refiro-me designadamente a áreas como as de fiscalização de obras, a medição e orçamentação, a de materiais especiais e outras, onde, devido à respectiva experiência profissional, há efectivas condições para o reencaminhamento profissional de todas as pessoas que venham a ficar nessa condição.
Há, assim, que salvaguardar os aspectos da vivência da profissão de arquitecto, como sejam, a qualidade de vida, na perspectiva da qualidade de construção e da organização do espaço, a questão social relacionada com o desempenho da profissão e a perspectiva de defesa e protecção do consumidor, bem como os aspectos relacionados com questões de direito, como sejam a coerência do sistema, o controlo profissional e deontológico no exercício da profissão, as directrizes comunitárias, perspectivadas na qualidade da arquitectura, da paisagem e do urbanismo, o direito à arquitectura, a situação transitória, na perspectiva de direitos adquiridos, sob o pontos de vista jurídico e político-social.
No entanto, não deverá ser comprometida a posição dos profissionais com outras qualificações já aqui referidos, que, actualmente e salvaguardados pelo Decreto n.º 73/73, podem subscrever projectos de arquitectura, a quem deve ser conferido um tempo de adaptação e a possibilidade de serem reencaminhados para as tarefas que, de acordo com as respectivas qualificações, estão materialmente aptos a desempenhar.
Nesse mesmo prazo de transição terá de ser ainda verificada e acautelada a situação existente nos quadros municipais de mais de 60 concelhos, que não dispõem ainda de qualquer arquitecto.
Além das soluções activas de reencaminhamento profissional, há que promover também soluções activas de cobertura integral do território nacional com os serviços de arquitectura. Numa perspectiva de assegurar políticas de desenvolvimento da qualidade do ambiente e da protecção do consumidor, o CDS-PP subscreve o projecto de deliberação n.º 17/IX para que às gerações presentes seja assegurado um património construído de qualidade e às gerações vindouras um legado arquitectónico com o qual venham a identificar-se.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, como Deputada e também como arquitecta, neste momento, conjunturalmente, a exercer o cargo de presidente da Ordem dos Arquitectos em Portugal, agradecer as intervenções de todas as bancadas, que foram muito enriquecedoras e mostraram bem como se gerou já um consenso muito importante em torno de uma questão que aqui foi considerada, por vários Deputados, de interesse público.
Quero também, dirigindo-me a alguns dos peticionários que assistem a este debate, e através deles a todos os cidadãos, muitos deles não arquitectos, que assinaram a nossa petição «Direito à Arquitectura», agradecer o facto de o terem feito. Foi a primeira vez que um assunto de regulação profissional não foi discutido nos corredores dos gabinetes ministeriais mas foi devolvido ao debate público, através de uma petição popular.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Penso que este é um caminho importante para a cidadania e que temos de nos habituar a abrir os nossos debates à discussão pública, à comunicação social e aos cidadãos. É muito gratificante que esta primeira vez tenha terminado com o resultado positivo que irá amanhã sair, certamente, da votação dos documentos que neste momento estamos a debater.
A questão, muito bem formulada aqui pela Sr.ª Deputada Paula Carloto, do direito à arquitectura é, para nós, essencial. Não há dúvida alguma que a Constituição de 1976 consagra o direito à habitação, ao urbanismo, ao ambiente e à qualidade de vida – eu própria fui Deputada constituinte e co-responsável pela redacção desses dois artigos da Constituição –, mas temos consciência que o ambiente, a qualidade de vida a habitação e o urbanismo se materializam depois no tecido edificado. E aí, de facto, a intervenção do arquitecto é essencial. Há um direito à arquitectura, não à arquitectura para os arquitectos mas à arquitectura para todos, como disse, e muito bem, a Sr.ª Deputada Paula Carloto. É o momento de nos interrogarmos como é possível que uma disposição transitória, criada pelo Decreto n.º 73/73, ao abrigo da qual, em determinados casos, pessoas sem as habilitações necessárias podiam assinar projectos, possa vigorar 30 anos, em Portugal, e seja tão difícil abatê-la. Esta é uma questão que devemos colocar.
Acontece que, na prática, o Decreto n.º 73/73, como já aqui foi dito por vários Srs. Deputados e em particular pela Sr.ª Deputada Isabel Gonçalves, já foi ultrapassado pelos acontecimentos. Foi ultrapassado por legislação e por directivas comunitárias. Na verdade, o País mudou, a classe profissional mudou, os recursos humanos mudaram, a construção mudou e as cidades mudaram, mas o Decreto n.º 73/73 manteve-se inamovível. É caso para perguntarmos: porquê? Porque a revogação do Decreto n.º 73/73 implica enfrentar interesses de determinados grupos profissionais que, ao abrigo daquela norma transitória, entendiam que poderiam continuar uma actividade para a qual não tinham qualificação. Penso que o projecto de deliberação que estamos hoje a discutir é muito importante, porque vai tornar muito claro que esses profissionais são fundamentais no processo construtivo, mas a fazerem o que as suas qualificações permitem. E provavelmente até a fazerem mais do que aquilo que fazem hoje, com novas qualificações, porque o processo construtivo não pode, de facto, prescindir de agentes intermédios.
Isto é um bocado absurdo e vou caricaturar: é como se, em Portugal, no processo construtivo, só houvesse serventes de pedreiro e projectistas, não existindo mais nada no intervalo! Ora, é isso que não pode continuar a acontecer. Há muitas funções intermédias no processo construtivo, que têm de ser desempenhadas e que faltam no mercado de trabalho, onde não há pessoas suficientemente qualificadas para as desempenhar, e a sua falta contribui para a falta de qualidade geral da construção. Este é um problema essencial que temos de resolver e que passa também por aqui.
Para nós, na Ordem dos Arquitectos, a situação actual é absolutamente contraditória. Para além de termos cerca de 11 000 profissionais e 10 000 jovens a estudar arquitectura em 32 cursos diferentes, temos um processo de admissão muito exigente para quem quer ser arquitecto. Depois essas pessoas são confrontadas, na prática, com a concorrência não leal, ou desleal, de pessoas que não têm a qualificação e que procuram desempenhar tarefas que não são da sua competência.
Para além das consequências que isto tem na distorção do mercado de trabalho, no desperdício de recursos qualificados do País, na má qualidade da construção – não lhe chamaria arquitectura - que se vai fazendo em Portugal, tem uma outra consequência muito importante e que gostaria de salientar: o facto de haver pessoas sem qualificação a desempenhar tarefas que não deviam estar a desempenhar cria um clima de confusão e a dificuldade de definir quem é responsável pelo quê, o que é pernicioso.
Neste momento, na agenda política portuguesa, toda a gente fala em falta de transparência, em corrupção, em interesses e compadrios nas câmaras municipais, em promiscuidade entre câmaras, construtores e agentes de vários sectores de actividade. Uma das formas de alimentar essa promiscuidade é manter indefinida a responsabilidade de quem faz o quê.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Uma das formas de contribuir para uma maior transparência, uma maior clarificação e uma melhor defesa do interesse público é sabermos exactamente quem é responsável pelo quê, quem são os projectistas que assinam, que assumem a responsabilidade e dão a cara por aquilo que estão a fazer.
Caros Colegas, não durmo descansada todos os dias a pensar como é possível, em 2003, em Portugal, continuar a haver acidentes na construção civil que nos envergonham. São completamente imorais e decorrem da falta de qualidade, da falta de responsabilidade, da desorganização e da «balda» — desculpem-me o termo — em que muitas vezes se transformam determinados processos construtivos. Isto não pode continuar! Os profissionais têm uma grande responsabilidade e a lei tem de proteger essa responsabilidade e tem de exigi-la.
Para além desta componente de interesse público, há, ainda, uma componente de defesa do consumidor, que já foi salvaguardada, uma componente de defesa da paisagem e do território, a que se referiu a Sr.ª Deputada Isabel Castro, uma componente que tem a ver com a necessidade de abrir novas frentes no estado actual do País, que, de facto, carece de arquitectos qualificados.
Sentimos, de forma por vezes muito evidente, que o País tem planos por todo o lado mas não está mais ordenado; pelo contrário, parece-nos até que está mais desordenado. Sentimos que as cidades crescem de uma forma caótica e nem sempre aceitável, que as pessoas se queixam desse caos no crescimento de algumas zonas urbanas. Sentimos, por outro lado, que há zonas do País que estão em perda e em declínio e às quais não são propostas soluções de requalificação, de redignificação, de revivificação.
Há que prestar atenção ao território e à paisagem, o que requer agentes qualificados e os arquitectos deviam ser, à partida, os primeiros provedores do território. É com eles que temos de contar para fazerem esse trabalho.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Dir-se-á que, então, se assim é, não podemos reconhecer que, muitas vezes, a arquitectura sem arquitectos também é válida. Não é verdade, há arquitectura de grande valor sem arquitectos. A prová-lo está um trabalho feito pelo antigo Sindicato Nacional dos Arquitectos, em meados do século passado, no qual foi feito um levantamento nacional da arquitectura popular portuguesa e que foi encontrar exemplos de arquitectura vernácula de enorme qualidade e valor. Mas foi num tempo em que a cultura do meio, a vida no mundo rural, os materiais tradicionais e os conhecimentos transmitidos oralmente constituíam uma unidade. Hoje, essa unidade está rompida. Hoje, uma arquitectura espontânea não consegue reagir da mesma forma e não produz os mesmos resultados.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Hoje, são necessárias pessoas qualificadas para intervir e qualificar essa disponibilidade para a construção que, no fundo, de certo modo, todas as famílias trazem consigo, na vontade de construir o seu abrigo, a sua casa.
Vamos ter problemas para resolver. Já foi referido muito claramente pela Sr.ª Deputada Isabel Gonçalves o problema do prazo de transição para resolver a situação dos profissionais que vão ser afectados por esta nova legislação. Esse é um problema que tem de ser resolvido com serenidade e sensatez, mas sem aceitar que sejam reconhecidos direitos adquiridos que, realmente, não existem. O que existe é uma necessidade nacional. Existe um conjunto de recursos humanos e temos de tomar medidas para adequar esses recursos às nossas necessidades.
Há, também, a necessidade, de certa maneira, de tornar acessíveis os serviços de arquitectura. Diria mesmo mais: talvez pudéssemos pensar em «serviços mínimos» de arquitectura. No fundo, se o direito à arquitectura decorre dos direitos constitucionais, talvez todos os cidadãos, quando vão à respectiva câmara municipal, devessem ter à disposição um arquitecto a quem pudessem pedir esclarecimentos e informação e, por essa via, ter acesso à arquitectura.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Esta é uma aposta que gostaríamos de vir a pôr em prática, em colaboração com as câmaras.
Sr. Presidente, creio que o meu tempo está a terminar. Se me conceder um pouco mais, passarei rapidamente à conclusão, agradecendo a todas as bancadas o contributo dado, apelando ao vosso voto favorável neste projecto de deliberação, apelando ao Governo, uma vez que conta com esta unanimidade no Parlamento, para que legisle rapidamente e de acordo com os aspectos que aqui foram salientados. Recordo que este Governo colocou esta matéria nas Grandes Opções do Plano para 2003. Portanto, também o próprio Governo considerou esta questão prioritária. Esperamos que, na sequência da presente deliberação, o Governo legisle rapidamente.
Finalmente, gostaria de dizer, como um dia disse o Arquitecto Fernando Távora: «Património é tudo: passado, presente e futuro». Os arquitectos são guardiões da memória, são construtores do futuro. Têm um papel muito difícil e necessariamente muito exigente. Cabe-lhes fazer uma ponte entre a memória e o sonho que lhes permita acrescentar ao património, que é de todos nós, obras que, amanhã, sejam de novo património e resistam à prova do tempo que passa.
Possam os arquitectos portugueses estar à altura da confiança que este Parlamento neles deposita e serem capazes de nos trazer a todos apenas um pouco mais de beleza.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Não há mais oradores inscritos, mas, antes de passarmos ao ponto seguinte da ordem de trabalhos, quero associar-me às declarações que foram produzidas por diversos parlamentares.
Desejo ainda sublinhar o modo como esta petição recebe um tratamento exemplar, que todas as petições devem receber.
As petições são o resultado de uma iniciativa de cidadania e os cidadãos que se dirigem à Assembleia da República devem ter uma resposta eficaz e efectiva por parte da Assembleia. No caso concreto, trabalhada a petição pelas comissões competentes e ouvidas as diversas entidades interessadas, a Assembleia da República estará em condições de dar uma resposta que vai na linha de salvaguardar os interesses colectivos e a qualidade de vida de todos os cidadãos portugueses.
Congratulo-me, portanto, pelo facto de, amanhã, quanto votarmos a deliberação que está associada a esta petição, encerrarmos um processo iniciado já na IX Legislatura, assim marcando a forma como estamos realmente empenhados em manter o Parlamento aberto, em diálogo com os nossos concidadãos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à apreciação da petição n.º 57/VIII (2.ª) — Apresentada por Manuel João da Silva Ramos e outros, solicitando que a Assembleia da República legisle sobre o «crime rodoviário» de modo a punir criminalmente todos os comportamentos de que, por acção ou omissão, resultem objectivamente perigo de lesão para a vida e integridade física dos utentes das estradas e dos peões.




 
 



  PETIÇÃO DIREITO À ARQUITECTURA : REVOGAÇÃO DO 73/73
54.678 SUBSCRITORES


  DIREITO À ARQUITECTURA : BREVE HISTORIAL
HELENA ROSETA


  DIREITO À ARQUITECTURA
HELENA ROSETA






  PROJECTO DE DELIBERAÇÃO N.º 17/IX