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019

AUTOBIOGRAFIA-CRÍTICA
ANDRÉ TAVARES

OUTUBRO.2002
 

Uma semana após a realização do encontro sobre crítica de arquitectura podiamos fazer um balanço crítico e dizer que foi muito agradável. Os bolinhos estavam bons, o café era suave e o convívio foi simpático. Independentemente deste espírito ameno o debate foi sério e vários temas foram explorados. E porque foram muitos, com várias leituras e interpretações, escrevo estas notas sob o lema da “autobiografia”, particularizando um aspecto específico da Situação-Crítica para por em evidência uma hesitação metodológica na relação crítico-arquitecto. Creio ser pertinente esta opção por vários motivos.
O primeiro dos motivos foi o conteúdo de algumas intervenções da plateia. Num auditório composto na sua maioria por arquitectos das mais novas gerações as perguntas foram poucas, as reacções algumas e os comentários muitos. Cito, por exemplo, Manuel Vicente, Nuno Portas e Manuel Mendes. Três arquitectos chave para compreender a arquitectura portuguesa do século XX nas suas mais variadas expressões e três figuras marcantes da crítica arquitectónica em Portugal. Algumas das intervenções que tiveram oportunidade de fazer centraram-se num percurso autobiográfico. Ao utilizarem as histórias das suas vidas, fizeram-no de uma forma selectiva e qualitativa que a todos interessará conhecer. Mas a focagem da temática na história, mesmo que na história da crítica, ao invés do debate da crítica, só aumentou a confusão entre história, divulgação, teoria e crítica. Creio ter sido perceptível a necessidade (urgente) de os arquitectos compreenderem melhor o campo de acção dos diferentes géneros disciplinares.
O segundo sintoma "autobiográfico" foi a incapacidade da pequena plateia "não arquitecta" se interessar ou pelo menos se envolver no discurso e conteúdos em debate. A autoreferenciação de um discurso abstracto colocou em evidência a incapacidade de os arquitectos falarem de outra coisa que não seja de si próprios. Enunciou-se a distinção necessária entre a crítica ao trabalho e a crítica ao autor mas, a julgar pelo formato da maior parte das citações, critícam-se ou citam-se mais os autores do que as obras. Isto contribui para a diluição do objecto em debate e para a desreferenciação do que é muito caro à opinião pública: a transformação do território e os motivos da escolha de determinadas opções arquitectónicas. Ao organizar uma leitura subjectiva da realidade é necessário compensar objectivamente o discurso sob pena de se ficar a falar de si para si próprio. Será por isso natural a constante incompreensão das "razões" dos arquitectos.
Finalmente, não quero deixar de fazer uma singela homenagem a Aldo Rossi, autor do desenho que acompanhou o seminário. Como esquecer a sua "Autobiografia Científica", relato lúcido e consciente das suas próprias limitações disciplinares?
Rossi recusa o género literário das memórias para conseguir realizar uma autobiografia dos seus projectos que, reconhece, se confundem com a sua própria história. Só através desse método, descritivo, é que Rossi é capaz de observar as coisas. Observação que se converte logo em memória das coisas, algures entre a imaginação e a memória. Observação que é uma evolução. E diz: “Para a crítica, colocada como está, fora das coisas, deve ser difícil, creio eu, compreender todas estas coisas.”





 
 


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