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intervenções dos convidados

Está tudo em discussão
Bruno Baldaia
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Correndo o risco de percorrer um caminho longo, decidi começar por pegar literalmente no título deste ciclo de debates e tentar comparar, de forma não jurídica note-se, as palavras Ordem, Associação e Sindicato, designações e âmbitos vários por onde esta agremiação passou.

Sindicato será uma associação de indivíduos de uma classe ou grupo profissional para a defesa dos seus interesses profissionais e económicos.

Esta terá sido a sua primeira designação e é, podemos dizer, a sua vocação mais elementar. Parece-me evidente que poucos de nós revêem a Ordem exclusivamente nesta função, nesta acção de defender um grupo, esta ideia de Ordem como alcateia. Julgo também que poucos de nós excluem esta valência elementar como qualquer coisa de essencial, basilar, qualquer coisa que fundamenta a Ordem.

De Sindicato passamos a Associação. Pesquisando num dicionário o significado da palavra verificamos que Associação será a reunião de pessoas e de esforços para um fim comum, mas também pessoa colectiva sem fins lucrativos, sociedade, comunidade, união, conexão, liga. Poderá ser também um agrupamento de animais ou plantas diferentes, mas adaptadas ao mesmo meio, na psicologia é um fenómeno psíquico que estabelece relações entre estados e actividades psíquicas da experiência de um indivíduo, na fisiologia identifica um processo pelo qual dois ou mais centros nervosos estão temporariamente ligados. Uma associação de ideias corresponde a um raciocínio segundo o qual uma ideia sugere outra. Esta ideia que atravessa os vários significados de associação, de união, de conjunto, de relação, é uma ideia muito mais orgânica do que percebemos em Sindicato. Percebia-se em sindicato alguma coisa de protecção, de sobrevivência, de instinto. Em associação passa-se a um outro estado, as acções de sobrevivência já estão incorporadas, já são normais, já se torna importante ganhar uma consciência de si mesmo. Passamos a uma fase em que já queremos compreender o que somos e como somos. Já nos apercebemos que há diferenças entre nós, uns têm o seu escritório, outros trabalham em escritórios, uns dão aulas, outros trabalham para o estado de diversas formas. Ainda assim, Associação é um estado interior, é virado para dentro. Comunitário ou societário é qualquer coisa que se refere a si mesmo. Seria evidente então pensar-se que o passo seguinte seria projectar em outras comunidades e em outras sociedades esta união, agora auto-consciente portanto agora capaz de se integrar pela consciência da sua identidade. Ordem então.

De novo uma incursão num dicionário para ficar a saber que Ordem é uma disposição regular e metódica, é regularidade, conveniência, método, maneira, modo, apropriada combinação de meios, lei, mandado, disciplina, praxe, uso, natureza, classe, categoria. Na botânica e na zoologia é uma subdivisão ou classe de animais ou vegetais. Renque, fila ou fileira, classe de honra (ou título) instituída por um soberano para recompensa de mérito, insígnia correspondente a esse título, sociedade religiosa, sacramento da igreja, sistema clássico de arquitectura, lei ou regra imposta pelo uso ou pela natureza, publicação de leis. Meter na ordem significa pôr no seu lugar, repreender, ordem do dia é o conjunto dos assuntos que vão ser tratados numa assembleia.

Devo dizer que com a excepção provável das duas últimas entradas, não reconheci a Ordem que esperava depois da Associação. Não percebi sequer uma constante nos vários significados de Ordem, e vi algumas assustadoramente militaristas como praxe, ou fileira. Ordem é distinção, prémio e é regra, disciplina e insígnia. É natureza (talvez o seu significado mais interessante), regularidade e conveniência. Ordem, parece-me, é demasiadas coisas.

Revendo as distintas palavras que procuravam circunscrever a ideia de Ordem, apercebi-me que poderíamos agrupá-las em pequenos conjuntos, e dessa maneira procurar fazer algum sentido. É indiscutível que Ordem deve ser disciplina, método e regularidade. Num momento em que se procurou pertencer e actuar num meio mais vasto, creio que regular o exercício da profissão de forma clara, definir quem está em condições de a exercer, e intervir social e politicamente no sentido tornar evidente a necessidade e o território da arquitectura. Por outro lado fazer da arquitectura uma disciplina credível significa necessariamente torná-la mais sistemática e mais reconhecível por todos, o que é sempre um exercício de desprestígio dentro da profissão, mas julgo, espero que erradamente, que a arquitectura para muitos é ainda uma área entre o nebuloso e o místico, qualquer coisa que só é necessário quando se quer que a coisa tenha prestígio, seja para ficar mesmo bem. Sabemos também o pouco que às vezes há detrás da nebulosa.

Creio também que nos faz falta um pouco da Ordem como alcateia. Voltando às palavras do dicionário uso, classe, categoria e publicação de leis. Tentar evitar que a Ordem se refira constantemente à figura do arquitecto como a entidade por detrás do projecto. Lembrarmo-nos que também há o arquitecto que trabalha no projecto por conta de outrem (faltam aqui classes, categorias e afins), ou dos arquitectos que o avaliam e o integram em mecanismos mais vastos, ou dos arquitectos que ensinam outros arquitectos. Perdemos um pouco de duas coisas provavelmente inconciliáveis, instinto agressivo e consciência integradora.

Resta-me um último grupo de palavras. Aligeirando toda a carga semântica da quantidade de prémios e distinções que Ordem supõe, julgo que premiar é justo e legítimo. Sobretudo quando quem premeia o faz com a consciência clara da natureza, do modo e da maneira daquele que distingue. Ordem é também continuar a tentar compreender-se, localizar-se. Ordem é perceber-se para explicar-se. Ensinar e compreender maneiras. Actualizar, aprofundar e recontextualizar continuamente modos. Construir, desconstruir e reconstruir a natureza da arquitectura.

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