No âmbito do programa de debates sobre a revisão do “Estatuto da Ordem dos Arquitectos” tem hoje lugar, aqui, um debate sujeito ao tema “ DEONTOLOGIA PROFISSIONAL”.
Comecemos por definir o que é a Deontologia Profissional.
A Deontologia Profissional é a ciência dos deveres ou regras que devemos cumprir no exercício da profissão.
E o conjunto dessas regras é ele imutável?
Se é certo que há regras imutáveis no comportamento das pessoas, há outras que eventualmente deverão ser adaptadas à mudança dos tempos.
No nosso caso, a Deontologia Profissional está regulada e regulamentada por um conjunto de documentos. Desde logo, pelos 7 artigos do “Capítulo VII” do “Estatuto da O.A.”, nos quais estão consubstanciados os deveres fundamentais que devem reger o comportamento dos Arquitectos no exercício da profissão, em contraposição aos respectivos direitos, pelo “Regulamento de Deontologia” com os seus 19 artigos e um preâmbulo, e, em anexo, as recomendações sobre ética e deontologia da U.I.A., também com um preâmbulo e 5 princípios com 38 regras.
Como digo atrás, embora algumas sejam regras permanentes, outras podem ser mutáveis. Aliás, o próprio Regulamento prevê, no seu artigo 19º., a sua revisão ao fim de 3 anos de funcionamento.
Não vou fazer uma análise crítica e pormenorizada do citado capítulo 7º. dos actuais Estatutos, de cuja elaboração aliás, participei, nem do respectivo Regulamento, de cuja aprovação também participei. O que vou dizer, aliás, é sustentado pela minha experiência e, portanto, tem um cunho pessoal.
Vejo também que esta Instituição tem, e muito bem, uma especial preocupação pelos comportamentos éticos dos seus membros, tanto assim que se verifica que, da Formação complementar ao Estágio de Admissão à O.A., os Formandos prestam uma prova sobre “Estatuto e Deontologia”, preenchendo uma ficha de avaliação, a que eu chamaria também de consciencialização.
É evidente que o cumprimento das normas de deontologia depende também muito das pessoas, às vezes mais do que dos regulamentos. Estes são necessários para uniformizar os comportamentos e também para definição e aplicação das medidas de coacção.
No fundo e em síntese, podemos dizer que a deontologia profissional se centra nos seguintes pontos:
1 – Considerar a nossa profissão como uma oportunidade de também prestar serviço útil às pessoas e à Arquitectura.
2 – Promover os mais altos padrões de ética no exercício da profissão de Arquitecto.
3 – Promover a correcção e a justiça nas relações com clientes, dependentes, concorrentes.
4 – Contribuir para a promoção da qualidade de vida das pessoas.
5 – Ser honesto em todas as formas de trabalho e relacionamento.
6 – Respeitar e fazer respeitar as incompatibilidades.
Porém, temos de considerar que isto, ou este procedimento, não depende só de nós. Depende também dos outros e das instituições e nomeadamente da nossa, isto é, a O.A. .
Com efeito, somos muitas vezes confrontados com situações provocadas por factores que nos são alheios.
Quando a legislação ou os seus intérpretes nos obrigam a situações contrárias às Normas e regras de comportamentos adoptados, à nossa consciência ou aos nossos interesses legítimos, como é o caso de documentos através dos quais declaramos “pela nossa honra”, que cumprimos todas as normas legais e regulamentares aplicáveis, como o podemos fazer em consciência?
Protestar ? Não parece possível, ou melhor, não parece que possa ter sucesso tal atitude.
Por mim, considero praticamente impossível conhecer e observar num projecto normal, toda a legislação específica. Primeiro, porque ela é altamente burocratizada, é abundantíssima, por vezes contraditória e também por isso, incontrolável e difícil de interpretar, de tão mal feita que é. Por outro lado, estamos sujeitos a erradas interpretações e critérios pessoais de quem tem de se pronunciar. É talvez o analfabetismo institucional, em todo o seu esplendor.
E nós, na nossa actividade, estamos assim, sujeitos a interpretações fixas, rígidas e unilaterais, contra as quais esbarra toda a nossa argumentação ou tentativa de esclarecimento.
Por outro lado, a regra 2.4 do Princípio 2 das recomendações da U.I.A. diz que os Arquitectos devem cumprir a lei no quadro da sua actividade profissional. E no quadro das outras?
Na minha longa vida profissional, têm passado por mim episódios bem exemplificativos desta situação, que colide com a possibilidade de observância dos procedimentos deontológicos.
Uma palavra para os conflitos de interesses que, no fundo, estão de certo modo salvaguardados pelas incompatibilidades. Elas existem e têm de existir, pois não
é admissível a situação que se pode verificar de nos encontrarmos como juízes em causa própria, ou mesmo como elementos de pressão sobre dependentes, com facilidades acrescidas, proporcionadas, não só pelo seu próprio entendimento ou interpretação das regras estabelecidas, pela forma como se movimentam nos respectivos corredores, tudo isto, em termos efectivos ou mesmo de suspeição. Este pois, um ponto muito importante do código de procedimentos, - aliás também contemplado pela legislação em vigor, nomeadamente pelo “Código Administrativo” - e essencial até, para proteger os legítimos direitos de todos os profissionais, e até evitar e eliminar a fraude.
Cabe aqui, porém, referir e destacar a oportunidade da nota do Arquitecto Cristóvão Iken, publicada no mensageiro, no que se refere, neste ponto das incompatibilidades, à não permissão, impossibilidade ou incompatibilidade de o arquitecto poder fiscalizar obra de sua autoria.
Pela minha parte discordo dessa incompatibilidade. Sempre considerei que o arquitecto deve ficar ligado à sua obra por inteiro, como aliás, sempre foi por tradição.
Ao arquitecto, não cabe apenas fazer o projecto, ou o “risco”, como se dizia antigamente. Ao arquitecto, personagem e agente de uma das Belas-Artes, cabe conceber, projectar e realizar a obra e, neste último ponto, da realização, está implícita a fiscalização, a orientação e assistência e a direcção dos trabalhos, pois só ele está em condições de introduzir nela o espírito com que a concebeu.
Sempre me bati para que não fosse retirada, das nossas atribuições, a Direcção de Obra e isso ficou contemplado no capítulo VI do Estatuto, Artigo 42º (Exercício da Profissão).
De resto, como também se verifica, está configurado na Lei, que a intervenção do arquitecto é obrigatória na elaboração ou avaliação dos projectos e planos, no domínio da arquitectura (ponto 4 do mesmo artigo) e creio que nesta matéria parece que andamos um pouco distraídos. A situação que também coloca no que se refere à publicidade, é pelo menos, subjectiva.
Sem embargo de se poder considerar o regulamento um bom documento, resultante de um bom trabalho, aturado e profundo, outros pontos poderiam ser colocados a título de exemplo, como o de em alguns casos o regulamento ser subjectivo e até repetitivo e que, por vezes, parece sugerir meras recomendações, aparentemente não vinculativas, como aliás se verifica no documento da U.I.A., que se intitula mesmo “Recomendações sobre ética e Deontologia da U.I.A.”
Este documento é também, por vezes, contraditório, ou pelo menos excessivo, quando diz que os arquitectos não devem iniciar um projecto a menos que tenham acordado por escrito os termos da contratação (regra 3.6 do princípio 3);
Por sua vez, a regra 4.2 sobre Associação de Arquitectos com pessoa cujo nome tenha sido banido de qualquer registo de Arquitectos, diz que o não devemos fazer a não ser a pedido do próprio, é para mim incompreensível.
Por outro lado, a regra 5.3 contradiz a regra 3.6 ao dizer que os arquitectos não devem indicar honorários quando propõem os seus serviços.
Caros Colegas: a deontologia é essencial para um bom desempenho profissional e também para um bom relacionamento entre todos os intervenientes. Porém, é necessário que estejam criadas as condições para se poder cumprir. E uma dessas condições é, sem dúvida, clarificar a legislação e sobretudo, torná-la inteligente e inteligível..
Aqui há uns anos - bastantes ! – aquando do processo de transformação da nossa Associação, houve um programa de televisão com debate acerca da burocracia a que estávamos e estamos, submetidos, e que nos violentam. Recordo-me de nesse debate, de que participou o Prof. Freitas do Amaral, ouvi-lo dizer que a legislação relativa à Edificação e Urbanismo era tão vasta e complexa que era praticamente impossível de cumprir ou até de conhecer.
E isto colide com a correcta observância das normas deontológicas por motivos óbvios.
Caros Colegas, tudo isto para dizer o quê, e em resumo ?
- Que, de facto, devemos cumprir as normas de ética e deontologia profissional, mas para isso é necessário criar as condições que o permitam. E isso é uma tarefa de todos nós, organizados nas nossas instituições, nomeadamente na O.A. .
E é nesta altura, em que se projecta a revisão do Estatuto, que estes assuntos devem ser debatidos e aclarados, tendo em conta todos os intervenientes e nomeadamente as notas do Provedor que, como achega, também podem ser úteis, e, bem assim, as deliberações dos Conselhos Disciplinares.
Para isso aqui estamos.
WALDEMAR SÁ
SÓCIO Nº. 315-N