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relato crítico | Arq. André Tavares

André Tavares
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Uma aproximação crítica e desordenada à razão e forma de ser da Ordem dos Arquitectos.Relatório crítico no âmbito do 4º debate Está tudo/tuto em discussão.
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Colapso
Há coisas que sobre as quais parece melhor nem pensar. Estamos perante uma evidência, a mudança de escala da Ordem dos Arquitectos, com duas consequências financeiras: por um lado, as receitas ordinárias não são suficientes para as despesas correntes e, por outro lado, o peso das quotas no orçamento global tem vindo a diminuir. Se a segunda consequência só tem um significado relativo, a primeira é contundente. O colapso não vai acontecer, está a acontecer.
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Que fazer?
O papel social que está acometido à Ordem dos Arquitectos exige que o seu comportamento não esteja dependente da disponibilidade financeira circunstancial. Uma solução irónica seria não pensar no colapso e agir, ignorando o problema até que ele se deixe de manifestar como um problema. Quem sabe se Estado, já que delegou competências e interesse público na actuação da Ordem, não poderia vir em seu socorro? Se os arquitectos fossem irresponsáveis talvez fosse esta a melhor solução. Ma,s como precisam de ser livres e autónomos como classe profissional, talvez seja conveniente, para não dizer imprescindível, conceber uma estrutura financeira para a Ordem dos Arquitectos capaz de não ser deficitária e de lhe permitir desempenhar as suas funções. Descartada a hipótese da inconsciência, há que pensar na sua estrutura financeira para garantir um equilíbrio capaz de uma acção quotidiana sem a angústia do colapso eminente.
Independentemente dos pormenores, deveremos reconhecer uma virtude inerente à gestão da Ordem: uma percentagem substancial das receitas, formada pelas quotas dos seus membros, é facilmente previsível e isenta de risco. Deve avaliar-se com sensibilidade a que dimensão institucional essa receita corresponde e reconstruir a estrutura orgânica da Ordem em função das suas possibilidades. Este é um campo fértil para debate, já que corresponde à própria estrutura orgânica da Ordem e haverá sempre posições alternativas para a solução encontrada. Será então inútil discutir este assunto sem que esteja assumido um princípio de estrutura institucional sobre o qual ponderar a articulação da dimensão orgânica com as capacidades financeiras efectivas.
É evidente que a forma como se gere um orçamento decorre das opções políticas dos seus órgãos. Essas opções são, e continuarão sempre a ser, independentes do Estatuto. Contudo, o Estatuto deve conter uma relação equilibrada entre a dimensão financeira da instituição (determinada pelas quotas) e os órgãos que a compõem. O Estatuto é fundamental para a viabilidade financeira da Ordem na medida em que determina a relação entre as receitas e as competências dos órgãos que as gerem para a prossecução dos seus objectivos. Se esta relação não estiver equilibrada (e não está), a autonomia política dos órgãos e a sua disfuncionalidade financeira conduzem a Ordem a um beco sem saída. Agora, o que há a fazer é simples: limpar a máquina. Trata-se de fazer as contas e adaptar a disponibilidade financeira de base à estrutura orgânica necessária.
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Asneiras a evitar
Com um bom Estatuto podem evitar-se filosofias de despesismo e órgãos que absorvam dinheiro sem produzir as respectivas contrapartidas. Isso não impede que os orçamentos e as estratégias de cada órgão representem orientações políticas próprias e produzam sucessos ou insucessos, institucionais e financeiros. O dilema ambíguo e irresolúvel da regionalização da Ordem deve gerir, sem repetições e equívocos de redundância, a dualidade contraditória das duas principais atribuições da Ordem: uma maior dedicação à prestação de serviços implica uma estrutura mais descentralizada (com paralelismos); uma maior dedicação a aspectos políticos e corporativos implica uma estrutura mais macrocéfala (sem conflitos).
Um outro aspecto a limar é a necessidade de um controlo e acompanhamento eficaz por parte de um Conselho Fiscal operativo e com poder. Devem existir prazos, limites e penalizações para responsabilizar acções e práticas negligentes a que o presente Estatuto abre caminho. Se esse controlo for feito, o actual Estatuto levanta problemas muito graves ao nível da relação entre os orçamentos regionais (que não existem formalmente) e os respectivos planos de actividade. A imposição legal de uma contabilidade única obrigou a um exercício de improviso que, para manter a estrutura regional, criou planos de actividades independentes do orçamento, sujeitos a duplas aprovações em Assembleias Gerais pouco frequentadas. A disfuncionalidade financeira é um dos primeiros pontos de conflito que atrapalham o funcionamento regular dos vários órgãos, conflitos que posteriormente se prolongam na sobreposição institucional e resultam, pateticamente, em incompatibilidades pessoais. Para haver controle é necessário haver responsabilização e, havendo-a, terá de ser mais clara a relação de trabalho no interior da instituição entre os seus diferentes órgãos.
Independentemente da solução a adoptar, da sua clareza resultará a eficácia do funcionamento institucional da Ordem.
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Virtudes a procurar
Já se verificou que a eficácia institucional depende, em grande medida, do bom senso da sua organização financeira. Essa constatação não interfere com a posição a adoptar para responder à dúvida estrutural quem paga o quê? Dever-se-à reforçar o valor das quotas para ampliar a capacidade de prestação de serviços? Ou será que a quota deve tender para 0 e se devem cobrar os serviços prestados? Talvez, antes de embarcar nesse debate, convenha saber quanto custa o quê? Se há documentos publicados que tornam explícitos os serviços prestados pela Ordem, não é evidente a relação entre o seu custo e o respectivo peso no cálculo do valor unitário da quota. Essa obscuridade financeira da Ordem resulta, em grande parte, da confusão a que o actual Estatuto obriga na actividade da sua gestão. Porém, tornar transparente essa relação deverá ser um dos objectivos para conseguir, talvez num momento posterior à revisão do Estatuto, avançar com um debate sereno sobre o destino do valor da quota de cada membro da Ordem. Isto porque, um dos principais obstáculos à relação entre os membros da instituição e os seus órgãos directivos é o descontentamento individual com o destino colectivo dos euros pagos trimestralmente. Descontentamento compreensível, tanto mais que a associação é forçada (para praticar a profissão o arquitecto não tem alternativa se não quotizar-se) e os desejos são naturalmente diferentes e, muitas vezes, divergentes.
Deverá também ser claro que a questão disciplinar, por si só dispendiosa e não lucrativa, é um dos pilares fundamentais das atribuições da Ordem. É para exercer disciplina corporativa que o Estado atribui poderes à Ordem e é para a executar com qualidade que os membros pagam as suas quotas. E a disciplina não se vê, sente-se.
Controlando com rigor os caminhos percorridos pelas quotas e conseguindo uma gestão mais consentânea com as possibilidades efectivas do corpo profissional dos arquitectos, é imprescindível garantir fundos de reserva que permitam fazer face a imprevistos ou a circunstancias excepcionais. Essa componente deve ser considerada em Estatuto como elemento estruturante do desempenho financeiro da Ordem, sob pena de fragilizar o seu desempenho institucional perante ameaças externas a que tem de fazer face constantemente.
Consta que não é da natureza dos arquitectos serem bons a fazer contas. Pelo contrário, se não são os profissionais mais mesquinhos, são também aqueles a quem é atribuída a função de relacionar, colocando a maior despesa no aspecto onde ela mais contribuirá para o sucesso da obra e economizando nos aspectos que não necessitam de ser inflacionados. Serão os arquitectos, mais do que os economistas, quem melhor saberá desenhar a estrutura financeira da Ordem, aplicando o seu saber profissional ao projecto de uma instituição eficaz. A eficiência financeira não será o objectivo à partida, terá de ser o resultado natural à chegada.

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